O beijo é uma forma de diálogo

10:19

George Sand

Na narrativa “O Beijo”, de Valérie D’Heur, podemos descobrir diversos aspectos e mensagens cifradas nas sensíveis ilustrações que figuram em todas as páginas. As narrativas ilustradas além de meio de expressão do ilustrador também oferecem uma experiência interativa mais aberta ao leitor que pode se aventurar em um exercício de imaginação, de interação semântica com a imagem, chegando a diferentes e novos lugares.
No livro, todos os dias antes de sair a mãe pássaro beija a testa de seu filho passarinho, como a dizer “eu te amo e estou sempre com você”. O ato de beijar representa o sentimento de amor e  cuidado que existe entre pais e filhos  A este respeito, George Sand, importante novelista francesa do século 19 já dizia: “o beijo é uma forma de diálogo”....  Basta observarmos a dimensão da linguagem do beijo.
Há quem diga que isso nunca aconteceu, mas (SPOILER): houve um tempo onde não existia internet, nem Facebook, nem Whatsapp, e as pessoas se comunicavam, choquem-se, através de cartas.  Sem os artifícios interativos e instantâneos da internet, os apaixonados redigiam longas e sinceras cartas de amor na esperança de serem correspondidos. As moças mais passionais, passavam um belo batom vermelho para marcar sua carta com o “beijo-assinatura” – tática com retorno garantido, pelo menos é o que eu ouvi dizer...
Beijamos por amor, por compromisso, em sinal de respeito, para reverenciar algo ou alguém, podemos beijar com frieza, por amizade, para começar algo, para encerrar uma conversa. Em São Paulo beijamos uma vez para dar oi, no Rio são três “pra casar”. Beijamos para acalmar um amigo que chora, para receber aqueles que chegam e nos despedir daqueles que vão . Pode ser dado bem de pertinho, ou distância – jogado no ar. Beijamos para abençoar, cuidar, se divertir. 
Bem, o beijo pode portanto, siginifcar muitas coisas. Através de nossos lábios transmitimos os sons de tudo aquilo que dizemos ou não com palavras. Parece que toda palavra é feita de beijo.
Mas, a narrativa de D’Heur , não se propõe a discutir as diversas finalidades do beijo. Em uma leitura mais profunda, podemos observar que o passarinho pensou que poderia encontrar o beijo de sua mãe sob outras formas e durante a busca se depara com o conflito “não quero um beijo de girafa”, queria apenas o beijo da mãe. 


O que isso pode nos ensinar? 

Talvez o aspecto singelo que o livro aborda para o ato de ressignificar, que na prática, é a capacidade que possuímos e quase não percebemos, de encarar de forma simples as situações que antes eram complicadas;  de perceber de uma nova maneira e dar um novo sentido àquilo que já estava formatado no nosso sistema de valores e crenças.
Ressignificar é um processo de modificação do filtro pelo qual percebemos os acontecimentos.  A finalidade é alterar o significado anteriormente dado. Quando o significado se modifica, mudamos também nossa maneira de agir. O significado de todo acontecimento depende do filtro pelo qual o vemos. Quando mudamos o filtro, mudamos o significado e, então, podemos aprender a pensar e sentir de outro modo sobre os fatos da vida, ver novos pontos de vista ou levar outros fatores em consideração.  Ressignificar é um movimento pelo qual desenvolvemos nossa capacidade de compreender as circunstâncias da vida. E na capacidade exclusivamente humana de ressignifcar sentimentos. 
Ao notar que o beijo de girafa era diferente e que beijar o rinoceronte era tão bom quanto receber o beijo de sua mãe, o passarinho é  invadido pela sabedoria singela do ressignificar e mais ainda pela consciência do efeito semelhante que o amor provoca a quem o oferece e a quem o recebe. 


D’HEUR, Valérie. O Beijo. São Paulo: Brinque-Book, 2003.

Um beijo e “felizes para sempre”

10:11


O beijo é aliança entre duas almas. O beijo é o que confirma e ameniza a saudade. Ele pode ser de várias formas: na boca, na bochecha ou na testa além, de ter vários nomes: selinho, beijo de esquimó, peixinho, borboleta e até o da tia. E, todos esses podem vir acompanhados de um abraço apertado, um cafuné no cabelo ou uma troca de olhares. Dizem por aí, que é o beijo quem renova o amor e, como a maior banda de Rock britânica, The Beatles, já entonavam: All you need is love.
Os contos de fada são a concretização desse amor que todos sonham e precisam. O termo “conto de fee” ou contos de fadas vêm do latim fatum, o qual carrega o significado de destino. Quem nunca sonhou em esbarrar com o amor da sua vida em uma fila de supermercado ou em uma festa planejada por um amigo seu. Por mais que o destino seja incerto, não se deve duvidar, pois ele nunca erra. Pense na Cinderela, ela decide por si só que quer ira até a festa, ela mesmo vai atrás do seu destino, encontra o seu príncipe e, o mais importante, ela encontra a felicidade. Ela já estava predestinada a ser feliz, acreditou nisso e alcançou. 
Foi com um beijo do príncipe que a Bela Adormecida acordou, que a Branca de neve foi reanimada, que a Ariel pôde transmitir o que sentia mesmo sem falar, a Rapunzel descobriu que seu melhor amigo era o seu amor, a Bela despertou o príncipe que havia dentro da Fera e que a Cinderela teve o seu “felizes para sempre.” Para os contos de fada o beijo é a coisa mais poderosa do universo, justamente porque ele existe devido ao amor. 
Um beijo de despedida é triste, mas é nele que deixamos um pedacinho da gente com a outra pessoa. Assim como acontecia todas as manhãs com o herói da história, porém, quando sua mãe esquece de dar um beijo nele, ele se sente solitário, pois ficar sem o carinho da pessoa amada, é como se uma parte de você estivesse voando, sem direção. Ele até procura alguém que possa lhe dar um beijo que pelo menos fosse parecido, mas não encontra. O motivo? Talvez, quando se descobre aquele certo alguém que Lulu Santos canta em um de seus hits, não existe nem parecido, nem diferente e, muito menos, igual. Só existe aquela pessoa. Só se existe um sentimento que invade o coração e transborda no sorriso: o amor. Amor de mãe, amor de pai, amor de filho, amor de namorado e de namorada, amor de irmão e de amigo... São tantos amores! Se eu pudesse, iria correndo agora mesmo dar um beijo em cada um e dizer o quanto são importantes para mim. Porque, distribuir o amor é tão bom quanto receber.



CAGNETI, Sueli de Souza. Leituras em Contraponto. São Paulo: Paulinas, 2013.

D’HEUR, Valérie. O Beijo. São Paulo: Brinque-Book, 2003.

Ilustração por Luana Simão.

A Necessidade de afeto em "O Beijo"

06:25



A narrativa “O Beijo”, de Valérie D’Heur, não traz um vilão que nos faz temer pelo personagem principal, o conflito é muito mais sutil, mostra a necessidade de afeto do pequeno pássaro. Esse afeto aparece em forma do beijo que ele recebe todos os dias de sua mãe. Quando certo dia ela sai de casa sem lhe dar o beijo, ele percebe que algo não está certo. O que ele sente é a necessidade de carinho, da demonstração do amor e acolhimento, por isso sai em busca de alguém que possa suprir falta desses sentimentos. 

A necessidade do afeto, principalmente em família, é algo universal e pode ser considerado bastante atual. Na correria diária do trabalho, escola, compras de mercado, idas ao médico, aula de música e tantos outros compromissos, as crianças e os pais muitas vezes não passam o tempo que gostariam juntos. Por isso alguns rituais diários acabam sendo a maneira de demonstrar o carinho pelo outro. Um beijo de manhã na porta da escola pode ter um significado muito maior do que possa parecer. Assim, a falta desse ato também tem um significado.
No livro, o personagem acaba percebendo que dar um beijo é tão bom quanto receber um. Essa troca de afeto não precisa de muitas explicações, pois faz parte dos sentimentos humanos. A temática não é nova, o uso de animais também não, mas o texto consegue dar uma significação delicada a essa que é uma das questões básicas do ser humano. 


CAGNETI, Sueli de Souza. Leituras em Contraponto. São Paulo: Paulinas, 2013.

D’HEUR, Valérie. O Beijo. São Paulo: Brinque-Book, 2003.


Ilustração e foto por Luana Simão.


Mudaram os tempos

06:22


Mudaram os tempo, mudou o homem, revestiram-se os contos tradicionais de outras tantas formas. Mudou o nosso jeito de ler. Não mudou a condição humana. Daí a permanência desses contos entre nós.” (CAGNETI, 2013, p. 19).

Dentre os muitos espaços em que os contos de fadas são contados, um dos que mais se destaca é a floresta. Podemos encontrá-la como o centro dos acontecimentos em diversos contos, tais como: Branca de Neve, João e Maria, Peter Pan, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, etc. 

Então, se essa floresta aparece tantas vezes, o que ela significa?

Quando olhamos para a floresta no campo real, desde os primórdios da humanidade, a floresta associa-se a sobrevivência. Ela é encarada como o coração de uma região, um local onde a vida nasce e onde há uma diversidade imensa de plantas e animais. Mas além disso, a floresta também está ligada a perigos como animais selvagens e venenosos, e é esta perspectiva de floresta que os contos de fadas adotam.
Nos contos, a floresta, na maioria das vezes, possui um significado de perigo, e esta, analisada pela perspectiva simbólica, “corresponderá as exigências características do enfrentamento da vida.” (fonte)
Vamos pensar no conto João e Maria dos irmãos Grimm. A floresta representa um local de amadurecimento, pois, estas crianças são abandonadas na floresta, e não têm outra alternativa senão encarar os desafios vindouros, e sobreviver àquela situação. 
Quando somos crianças tudo é caminho. Estudar, brincar, perguntar ou descansar, qualquer coisa sempre vai levar a outra, qualquer ação é o caminho que leva para o adulto que seremos. Não à toa, a literatura infantil sempre usa deste elemento em suas histórias, onde, geralmente, a protagonista acaba se deparando com uma problemática. Chapeuzinho é advertida sobre os perigos do caminho e é lá que conhece seu antagonista.
Acontece que as crianças da contemporaneidade lidam com problemas de diferentes origens, alguns similares e outros muito diferentes das crianças da época de Chapeuzinho. A solidão, a violência, o abandono são alguns dos exemplos que permeiam os medos de crianças de todos os tempos. Em “O Beijo”, de Valérie D'Heur, a ausência do rotineiro beijo de mãe quando ela sai para seus afazeres é o drama de um pequeno pássaro, que sente a necessidade de seguir um caminho para encontrar alguém que lhe dê o beijo que não recebeu. 
De acordo com CAGNETI (2013), “os clássicos dos contos de fadas são compostos de princesas, príncipes e outras personagens encantadas que, durante o enredo, estão relacionadas às aventuras da protagonista”, e essas aventuras refletem, ao fim, o amadurecimento da personagem, que ao passar por adversidades, alcança a maturidade.  

CAGNETI, Sueli de Souza. Leituras em Contraponto. São Paulo: Paulinas, 2013.

D’HEUR, Valérie. O Beijo. São Paulo: Brinque-Book, 2003.

Foto retirada do site de fotos de licença livre Kaboompics.

“O Beijo”, sob a Perspectiva da Contemporaneidade

06:14


O Beijo”, de Valérie D’Heur, é um livro da Literatura Infantil Contemporânea. Trata-se de uma obra que, partindo de modelos clássicos da Literatura Ocidental, recria uma história com temas voltados aos desafios das crianças contemporâneas. Escrita por uma autora belga, foi publicada em 2000 originalmente em francês, sendo traduzida posteriormente para o inglês e diversas línguas, inclusive para o português. No Brasil, foi publicada pela Editora Brinque-Book, sendo destinado, segundo seu catálogo, a crianças de 2 anos aproximadamente. A trama é simples e marcada fortemente pelo uso de ilustrações coloridas, um traço da contemporaneidade, pois segundo Cagneti (2013, p. 11) “Vivemos hoje num mundo [...] multicolorido, cujos apelos vão das imagens às luzes.” A história acompanha uma pequena ave e sua mãe, que diariamente lhe dá um beijo. Com a correria do dia a dia, comum no contexto atual em que as mães – e mulheres – inserem-se cada vez mais no Mercado de Trabalho, exercendo jornadas duplas ou até triplas (ser mãe, esposa, profissional etc..), naquele dia específico ela não o beija. Inconformado com isso, a “ave-criança” busca alguém que o beija, deparando-se com diversos animais. Da Literatura Clássica, utiliza-se o recurso da antropomorfização dos animais. Ao longo de sua jornada, a ave encontra rinocerontes, avestruzes, girafas, leões, figuras que mimetizam a relação hoje da diversidade humana, a que as crianças cada vez mais estão expostas: diferentes configurações de família, de amor, até de beijo. Outra questão a ser abordada ao longo de sua jornada por “um beijo” é a necessidade de as crianças construírem a sua própria autonomia, o seu jeito próprio de caminhar. É necessário que as crianças busquem por aquilo que almejam, e não apenas esperem receber tudo o que querem.

CAGNETI, Sueli de Souza. Leituras em Contraponto. São Paulo: Paulinas, 2013.

D’HEUR, Valérie. O Beijo. São Paulo: Brinque-Book, 2003.

Ilustração e foto por Luana Simão.

Resenha: “Mamãe, e o meu beijo?”

15:44


Um beijo é, sem dúvidas, um dos maiores atos de afeto que dois seres podem demonstrar, um em relação ao outro. Seja de amor, amizade ou companheirismo, deixar de recebê-lo é um tanto quanto desconfortável, e é isso que acontece na obra "O Beijo", da escritora e ilustradora Valérie D’Heur: uma pequena ave, após receber instruções de sua mãe para mais um dia, espera por um beijo de despedida, mas a mãe, muito apressada, não o dá.
É interessante observar como a autora traz a perspectiva da contemporaneidade para o texto, pois o narrador-personagem fala sobre sua mãe: “Estava muito apressada hoje”, manifestando, assim, a realidade de muitos pais e mães que esquecem diariamente dos filhos-aves.
Após ter seu beijo esquecido, a pequena ave vai em busca de algum outro animal que possa lhe beijar, e passa pela girafa, a avestruz, um felino, mas acaba mesmo é criando laços com o rinoceronte, o que é bastante interessante, pois a figura do rinoceronte é a personificação da força e também dos laços familiares, já que a fêmea do rinoceronte permanece com o filhote por vários anos.
Para coroar a composição, a autora traça ilustrações que brincam com tons pastéis e com o ambiente da savana, fazendo da experiência do leitor ainda mais intensa e divertida.


D’HEUR, Valérie. O Beijo. São Paulo: Brinque-Book, 2003.

Foto por Gabrielly Pazetto.